O presidente da Varig, Carlos Luiz Martins, não é um homem de meias-palavras. Com o tom determinado de quem é piloto internacional, Martins discorda, com veemência, da avaliação de órgãos oficiais sobre suposta formação de cartel entre a empresa e TAM. “Não estou entendendo mais nada. Há ociosidade nos vôos. Cadê as práticas contra a concorrência?”, questiona. No comando da empresa desde o ano passado, ele avalia que o compartilhamento dos vôos (o chamado code share) tem trazido benefícios para os consumidores, sem aceitar as críticas de clientes inconformados com preços semelhantes. Aproveita para atacar a concorrência que tem tentado fazer promoções na Ponte Aérea. “Eu queria ver a turma querendo comprar a passagem da Gol por R$ 50 e eles não tendo para vender.”
Martins admite que o trecho entre o Rio e São Paulo é o “filé mignon”, a parte mais lucrativa do negócio, sem divulgar, porém, a rentabilidade. O dirigente insiste que a Varig tem solução e espera o plano de capitalização do BNDES. Diz, com todas as letras, que se o compartilhamento for proibido, e o dinheiro não sair, a empresa ficará sem saída. “Se ocorrer, vamos lamentar porque teremos que otimizar nossa malha e as rotas menos rentáveis nós teremos que deixar de atender. É uma questão de sobrevivência. Vamos ter de ajustar o quadro, vai haver desemprego.”
O ponto central da conversa com o presidente da Varig girou em torno do code share com a TAM, seus desdobramentos e implicações na saúde financeira da empresa e na forma de competir. A seguir, as posições e opiniões de Martins.
CONCENTRAÇÃO
“Não concordo com a avaliação da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae, do Ministério da Fazenda) de que o compartilhamento de vôos entre a Varig e a TAM esteja prejudicando o mercado de aviação. Como falar nisso num setor onde se tem 60% de ocupação e uma ociosidade de 40%? Não podemos analisar o mercado de aviação pela ponte aérea. Com a investigação, estou tranqüilo porque tudo que foi feito foi autorizado pelo próprio Cade. Além disso, o compartilhamento é um dos passos iniciais para uma fusão, que é uma concentração maior. Confesso que não estou entendendo a discussão.”
CADE
“Até onde posso enxergar, não há a possibilidade de o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) não concordar com os compartilhamento dos vôos entre Varig e TAM. Se ocorrer, não haverá saída: vamos lamentar porque teremos que otimizar nossa malha e as rotas menos rentáveis teremos que deixar de atender. É uma questão de sobrevivência. Aí só espero que não nos acusem de estar prejudicando as áreas menos assistidas. Vamos ter ajustar o quadro, vai haver desemprego.”
CRISE
“Com os indicadores que existem hoje no setor, essa ociosidade alta, alguém precisa falar que é necessário que as empresas tenham rentabilidade. É importante que mais brasileiros voem mas que, ao mesmo tempo, as companhias tenham sustentabilidade.”
PONTE AÉREA
“Fazer promoções na Ponte Aérea entre o Rio de Janeiro e São Paulo é maluquice. As empresas mantêm algumas linhas marginais, com muito pouco ganho, e outras ainda com algum ganho. É justamente essas, que contribuem para você recuperar o ganho na malha integral, que os concorrentes querem atrapalhar! Qual o ganho disso? É muito simples ficar nessa demagogia.”
“Qual é a rentabilidade da Ponte Aérea? É bem melhor que nossa rentabilidade geral, que é de 5%. Prefiro não dizer. Mas é um mercado muito específico. Não dá para nivelar pela ponte.”
VÔO BARATO
“O DAC (Departamento de Aviação Civil) foi extremamente atacado pela classe política por suspender a promoção da Gol anunciando vôos a R$ 50. E quem não quer um político falando ´Vocês merecem voar a R$ 50`. O coitado pensa: ´esse é meu redentor´. Então, por que não se faz de graça? O governo subvenciona todas as companhias, e aí o brasileiro realiza seu sonho, que é voar de graça. Não tem mágica. Eu queria ver a turma querendo comprar a passagem da Gol por R$ 50 e eles não tendo para vender. Porque são só duas ou três vagas.”
EQUILÍBRIO
“A rentabilidade da Varig está em cerca de 5%. Qual é o negócio com essa rentabilidade considerado ótimo? Me digam? A aviação tem capital intensivo, custos em dólar, mão-de-obra especializada e um baixo retorno. O equilíbrio neste setor é muito tênue. Mesmo assim, somos considerados uma empresa de excelência no setor, que no mundo todo, está em crise.”
FINANÇAS
“As empresas brasileiras de aviação só administram 40% dos seus custos. Isso significa que se você for muito eficiente e diminuir em 10% suas despesas, a redução do volume total será de 4%. Vamos imaginar o seguinte: se eu demitisse todo mundo, meu custo seria reduzido em 10%. Não vou fazer esta loucura. Mas é para mostrar como é o dia-a-dia.”
GOL
“É natural que a Gol, que entrou agora no mercado com aviões novos e absolutamente sem passivo e sem passado, esteja melhor que a Varig e a TAM. Agora, a Varig tem o melhor resultado operacional do setor. Isso ninguém pode contestar.”
EMPRÉSTIMOS
“No auge da crise do ano passado, que foi talvez a pior, a Varig teve que caminhar com suas próprias pernas. (…) O drama é que o sistema bancário brasileiro só empresta dinheiro para quem não precisa. Em outros países, o acesso ao crédito para enfrentar uma contingência é muito mais fácil. Aqui não. O empréstimo tem que estar coberto com um monte de garantias e perde a finalidade de desenvolver a indústria. Perde, inclusive, a finalidade social. Somos um bom risco. Posso assegurar que temos solução. Que a Varig tem solução e é viável.”
BNDES
“Estamos otimistas. Eles estão estudando para apresentar uma plano de capitalização para a Varig.”
DEMISSÕES.
“Ano passado, houve duas mil demissões e não vi nenhum ruído na mídia. Desses, 300 tinham os salários mais altos da companhia (…). Fizemos isso dramaticamente, não nos furtamos de fazer o ajuste.”
NOVOS DESTINOS
“Os vôos para a China começam em agosto. Temos freqüências novas para África do Sul, Paris e Miami. Agora, estamos estudando voar para Madri a partir do Rio. Estamos fazendo promoções pelos 77 anos, de tarifa de US$ 77 por acompanhante para Nova York e Joanesburgo.”
PIB E COMBUSTÍVEL
“A Varig é um pouco conservadora. O País teve agora aumento de 2,7% no PIB no primeiro trimestre. Como tradicionalmente o segundo semestre é melhor, esperamos crescimento econômico de 3%. Há problemas no Oriente Médio, crise do petróleo. Não sabemos o que vai acontecer. O combustível está subindo. Isso nos afeta.”
PLANO ALTERNATIVO
“Tivemos uma reunião no ano passado com a Apvar (associação de pilotos) e ficou tácito que o plano deles não funciona. Isso porque leva em conta ativos hipotéticos como causas trabalhistas que nem ajuizadas foram. Leva em consideração ativos da Aeros (fundo de pensão dos funcionários) que não são de propriedade dos funcionários e sim do instituto. E considera também que todos os fornecedores iriam querer transformar seus créditos em ativos da companhia. A Varig não precisa dessa capitalização. O que precisamos é de dinheiro novo. Efetivamente, o que se precisa é captar. Trocar credito por ação não resolve o problema”.
Pequim-Rio em vôos lotados
Para quem não conhece o potencial de negócios e de turismo da China, pode parecer utopia imaginar que a rota de passageiros entre o país asiático e o Brasil venha a se tornar cobiçada. Mas, na avaliação da direção da Varig, em dois ou três anos, a freqüência de três ou quatro vôos semanais pode até ser pequena.
Até 2008, estima-se que 80 milhões de chineses viajarão de avião. “Se a Varig conseguir 1% destes passageiros, precisará de 10 vôos diários para atender a demanda só do lado de lá. Eles viajam bastante. E gostam de visitar florestas e áreas históricas”, avalia Alberto Fajerman, vice-presidente executivo da Varig, que acaba de voltar da comitiva que esteve em Pequim e Xangai com o presidente Lula. Para o executivo, o Pantanal, a Amazônia e as cidades do interior do país têm grande potencial de atrair o turista chinês. O vôo inaugural da Varig para a China será em agosto, em parceria com a Air China.
FONTE: Gazeta Mercantil – Gazeta Mercantil – São Paulo/SP