Enquanto 30 mil americanos se acotovelavam numa praia da Carolina do Norte para acompanhar uma malograda reedição do centenário vôo dos irmãos Wrights, Burt Rutan e seus colegas da empresa Scaled Composites prestavam outro tipo de homenagem aos pioneiros da aviação: realizaram anteontem o primeiro teste completo de um veículo que possa levar civis ao espaço –e quebraram a barreira do som.

A nave é um híbrido de avião com foguete e tem capacidade para três pessoas. Seu nome é SpaceShipOne (nave espacial um), e o design é diferente de tudo que se costuma ver em aeronaves.

Ela é transportada sob a barriga de um outro avião, chamado White Knight (cavaleiro branco), até 14 quilômetros de altitude. De lá, a SpaceShipOne inicia um vôo autônomo, inicialmente como planador. Com o disparo de um foguete, a nave iniciaria uma ascensão até atingir a velocidade necessária para chegar aos cem quilômetros de altitude, quando praticamente toda a atmosfera da Terra já está para trás.

Depois do vôo suborbital, o retorno é feito com o posicionamento das asas de uma forma em que o atrito com a atmosfera é aumentado, para permitir a frenagem. Quando a velocidade se torna suficientemente pequena, as asas voltam à posição normal e o veículo pousa como um planador, numa pista comum de aeroporto.

Até então, a Scaled, que não conta com apoio governamental para desenvolver suas pesquisas, já havia feito diversos testes de retorno da nave, mas sem disparo do motor-foguete. Os vôos são sempre anunciados depois de sua realização, em testes conduzidos no deserto de Mojave, Califórnia.

O presidente da companhia, Burt Rutan, um engenheiro aeroespacial com uma carreira de sucesso em projetos inovadores para a Força Aérea americana e em empresas privadas, mantém uma aura de mistério sobre seu programa espacial privado.

Mistério desfeito

Anteontem, um pouco dessa aura se desfez. Acompanhando o teste do chão junto a Rutan estava Paul Allen, milionário co-fundador da Microsoft, que, agora se sabe, está por trás das verbas que propiciaram o desenvolvimento do projeto. “Poder assistir ao vôo de teste bem-sucedido de hoje foi realmente uma experiência avassaladora e inspiradora”, afirmou Allen num comunicado. “Estou muito orgulhoso de poder apoiar o trabalho de Burt Rutan e sua equipe pioneira na Scaled.”

No teste, a SpaceShipOne não chegou a atingir a velocidade necessária para o vôo suborbital. Projeta-se que, numa missão desse tipo, a nave precise atingir Mach 3,5 (3,5 vezes a velocidade do som, que anda pelo ar a cerca de 1.100 km/h). Isso não impediu que a empreitada de Rutan fosse o primeiro esforço totalmente privado a romper a barreira do som.

A bordo do veículo, o piloto de teste Brian Binnie chegou a atingir Mach 1,2. Os motores foram disparados por 15 segundos. Na missão completa, o procedimento de aceleração tomaria 65 segundos. Mas agora, com o motor já qualificado para vôo, essa etapa não deve estar longe.

A aterrissagem de Binnie não foi das mais fáceis, apesar de tudo. Um problema com o trem de pouso fez com que uma das asas tocasse o chão. Mas os danos à nave foram mínimos, e o piloto não saiu ferido, disse a companhia.

A Scaled é uma das empresas na disputa pelo Prêmio X, que oferece US$ 10 milhões a quem conseguir desenvolver e lançar duas vezes, sem ajuda governamental e num espaço de duas semanas, uma nave suborbital com capacidade para três pessoas.

O vôo suborbital é diferente de uma entrada em órbita e oferece apenas poucos minutos de sensação de ausência de peso, mas deve se tornar uma opção viável para candidatos a turista espacial que não tenham US$ 20 milhões para pagar uma viagem até a Estação Espacial Internacional numa nave Soyuz. (A propósito, dois novos assentos já foram vendidos pelos russos para vôos em 2004 e 2005, mas as identidades dos turistas não foram reveladas.)

Dentre essas equipes, há quem venda hoje vôos suborbitais por até cerca de US$ 80 mil –mas ninguém ainda conquistou o Prêmio X. Os avanços rápidos da Scaled mostram que um vencedor não deve estar longe. Os organizadores da disputa acreditam que terão de dar US$ 10 milhões a alguém em algum ponto de 2004.

Natal em Marte

Enquanto isso, nas redondezas do planeta vermelho, a sonda não-tripulada Mars Express, da ESA (Agência Espacial Européia), está em fase final de preparação para a liberação do módulo de pouso Beagle-2. Se tudo seguir os planos originais, o desprendimento pode ocorrer hoje, e o veículo deve tocar o solo marciano em pleno dia de Natal.

FONTE: S. NOGUEIRA, Folha Online – Fernando Valduga – Porto Alegre/RS

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